21/06/2019 12:20:00
Um dos “superministros”, apelido dado pelo atual governo federal, o ex-juiz Sergio Moro esteve, nesta terça-feira (19), à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado para prestar esclarecimentos sobre as conversas vazadas que o mostram combinações com o procurador Deltan Dallagnol sobre como proceder durante a Operação Lava Jato. A sessão, que não terminou até o fechamento desta reportagem, não passou de um jogo de cena para tentar limpar a barra de uma das figuras mais importantes da gestão Bolsonaro, o ministro da Justiça. Os senadores da base aliada do governo usaram seus direitos de fala para elogiar e paparicar o sabatinado. Na hora da oposição, Moro fugia de todas as perguntas que poderiam complicá-lo.
Até porque complicação maior já havia acontecido na noite de terça-feira (18) com a divulgação de novas conversas do ex-juiz e o procurador Deltan Dallagnol. Desta vez, as revelações comprovam as acusações dos partidos de esquerda de que a operação Lava-Jato era seletiva e poupava muitos grupos políticos, principalmente os filiados ao PSDB.
Um trecho do chat privado entre Moro e Dallagnol mostra a discordância de investigações sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na Lava Jato porque, nas palavras dele, não queria “melindrar alguém cujo apoio é importante”. O diálogo ocorreu em 13 de abril de 2017, um dia depois do Jornal Nacional ter veiculado uma reportagem a respeito de suspeitas contra o tucano.
FHC foi citado na Lava Jato pelo menos nove vezes (1, 2, 3, 4 e 5, 6, 7, 8 e 9). Caso fossem investigados e comprovados, nem todos os possíveis crimes cometidos pelo ex-presidente estariam prescritos, o que acarretaria em punições ao ex-presidente.
A acusação que Dallagnol classificou como “recado de imparcialidade” já era de conhecimento interno do Ministério Público desde o final de 2016, graças à delação de Emílio Odebrecht, que afirmou que deu “ajuda de campanha” a FHC para as eleições vitoriosas de 1994 e 1998.
O depoimento permaneceu em segredo de justiça até abril de 2017, quando foi enviado para ser investigado pela Procuradoria da República de São Paulo e virou notícia. Mas já nasceu morto: os fatos estavam prescritos, e a investigação não poderia terminar em uma denúncia formal. Foi arquivada pela Justiça três meses depois.
Essas revelações sugerem mais uma vez a parcialidade na Lava Jato, que tanto Moro quanto a força-tarefa negam veementemente. Porém, é nítido que o ex-juiz estava preocupado com investigações da Lava Jato contra um apoiador político de seu trabalho. E Dallagnol admitiu acreditar que outros procuradores da força-tarefa passaram adiante uma investigação que sabidamente não resultaria em processo, a fim de fabricar uma falsa percepção pública de “imparcialidade”, sem, no entanto, colocar FHC em risco.
Após a divulgação da primeira leva de reportagens sobre as mensagens secretas da Lava Jato, FHC fez uma defesa pública de Moro: “O vazamento de mensagens entre juiz e promotor da Lava-Jato mais parece tempestade em copo d’água. A menos que haja novos vazamentos mais comprometedores…”, disse.
Quais consequências jurídicas Moro pode receber?
Novas denúncias devem aparecer, mas já é nítida e notória a ilegalidade dos atos. Porém, como os envolvidos devem ser punidos? Para a integrante da Associação Juízes pela Democracia (AJD) a magistrada Raquel Braga observa que para compreender a gravidade das irregularidades cometidas pela operação Lava Jato, é necessário analisar a ressignificação de palavras feitas por setores da direita nacional desde 2016.”O que há no Brasil, desde o processo de impeachment, é a ressignificação das palavras, pessoas e conhecimentos. Eles ressignificam o significado de prova, de conversa. Se você está num coquetel, de juristas, ou associação de advogados, o juiz pode aparecer e ter uma conversa informal, genérica, sobre processos. Agora, ligar um para o outro é o ressignificado da palavra conversa, da palavra prova”, avalia.
Além das irregularidades quanto ao teor dos diálogos, o uso de provas indiretas no processo penal, citado por Moro e Dallagnol, também tem levantado polêmicas quanto a possibilidade desse tipo de material usado, principalmente, para sustentar as denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex do Guarujá. Procurador do Ministério Público de São Paulo Gustavo Roberto Costa explica que, ainda que exista a possibilidade da apresentação de indícios, quando não acompanhados de provas materiais, eles se tornam um “instrumento frágil para condenação”. “Existem posições antagônicas na doutrina. Existem doutrinadores que entendem que um conjunto de indícios pode levar a uma condenação, mas não compartilho dessa posição”, ressalta o procurador. Na visão de Costa, outro ponto que aparece nas conversas e pode fragilizar também a condenação é quanto a colaboração e o conluio entre os órgãos judiciais para incriminar uma pessoa, prática vetada pela Constituição. “Já há notícias, não só nesse processo, como em outros, entre possíveis conluios entre o órgão julgador e o acusatório, o que já é uma violação do sistema acusatório, em que as funções de investigar, processar e julgar são feitas por pessoas e órgãos diferentes, exatamente para que se mantenha a imparcialidade e a equidistância das partes daquele que julga”.